segunda-feira, 31 de outubro de 2011


Este texto faz parte de um projeto de escrita coletiva intitulado “Fragmentos únicos de dois” e é criado por Amanda Corrêa , Eduardo Silveira, Ana Kina Tavares, Philipe Macedo Pereira.



"Sabe, sei que já faz duas semanas, mas não paro de pensar na Macabea. A vida é tão frágil, né? E tem gente que leva como se não fosse nada, vive cada dia sem se preocupar. Se bem que se preocupar não é o melhor, é? Por que somos tão afetados pela morte das pessoas, hein? Eu fico pensando que já estou com 25, quero ser mãe, mas quanto tempo me resta?"

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Gostim de poesia...

"O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos."

Manoel de Barros - "Livro das Ignorãças"

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Um pouquinho de cinema

Adoro ler críticas de cinema, mas na internet é preciso garimpar muito para encontrar algo que possa se aproveitar. E um dos espaços virtuais de cinema que vale a pena é a revista eletrônica Contracampo (http://www.contracampo.com.br/). Entonces, segue abaixo a crítica de um filme que assisti recentemente e que muito me agradou. A resenha me possibilitou a construção de novos olhares:

Amarelo Manga, de Claudio Assis - Brasil, 2002
 
Um plano de Amarelo Manga induz a uma sensação bastante ambígua e ao mesmo tempo rica sobre o filme de Cláudio Assis. É o do senhor nordestino, tipicamente um habitante da Recife suburbana que o filme optou por descortinar, que, sentado, lê um livro de Nietzsche. A mensagem mais imediata que a imagem sugere é a de um fetiche da ousadia que soa como anedota: o filme funcionaria como uma tentativa de adoçamento popular do pensamento nietzschiano. É uma tentativa de fazer de Friedrich um flâneur não só das ruas de Turim, mas das do Recife, é uma mistura de Zaratustra e terreiro, de fúria recifense e filosofia a golpes de martelo.
Mas humano, demasiado humano, Amarelo Manga vai além do mero jogo metonímico. Não é para mostrar que Nietzsche é universal nem que para dar conta da filosofia da celebração da vida. É mesmo mais um filme sobre a luta severa entre o eterno retorno e o desejo. E nesse sentido, é a golpes de martelo de linguagem que Assis trabalha. Isso porque, no fundo, o que há de mais forte em Amarelo manga é sua carnalidade. Com o perdão da expressão, este não é um filme sobre sexo, é um filme sobre foda. Não é um filme sobre vagina, é um filme sobre buceta.
Isso porque cada plano, cada operação de visualidade do filme exercita o uso do chulo, mas na verdade do carnal, do sang¨´ineo, do animal, como uma demonstração de força da própria expressão como combate. Os personagens do filme estão inseridos em um círculo da repetição infinita do estatuto do desejo. E é no desejo que se revelam como potência e ato. A aparição do próprio Assis como "gênio maligno" diante da personagem de Dira Paes, a evangélica – personagem associado à interdição do desejo e à transferência do lugar de seu exercício do corpo para o êxtase iniciático –, é uma demonstração de uma determinação que se impõe a cada momento no filme. Os personagens são determinados (por uma força maior) e cheios de determinação (para conseguirem o que querem). A constituição de um individualismo combativo marcado justamente pelo desejo, de um desejo de carne, que escorre sangue, é o guia e ao mesmo tempo o sintoma mais forte dessa determinação.
Pois é na construção desses personagens determinados que Amarelo Manga se mostra forte como cinema. Não bastasse ser um filme politicamente importante – por depor contra um cinema da qualidade e por expor as chagas de um povo sem piedade e dando a eles a grandeza da culpa –, seus personagens são um exercício de vigor ímpar. Todos são apresentados sempre com os atores superinterpretando, sempre um tom acima, e todos ele se relacionam com o mundo através de uma forma particular de relação com a carne, às vezes de gente, às vezes de boi. Mas sempre no fio da navalha, entre a vida e a morte.
A garçonete de boteco vivida (cheia de vida) por Leona Cavalli se movimenta como uma celebração do corpo de seu valor como sina. Assim como a evangélica, seu corpo também é interditado para a posse, mas não para a exposição. O empregado de matadouro encarnado por Chico Diaz sangra bovinos e eleva sua mulher a um pedestal de limpeza, ao mesmo tempo que tem com a amante uma relação sempre intermediada pela violência física; o estranho vigarista interpretado por Jonas Bloch gosta de balear cadáveres; o atendente do hotel de Matheus Nachtergaelle, além de homossexual – o que já pressupõe uma relação com o corpo que o coloca em uma posição de destaque em um sistema centrado nele –, não hesitará em proclamar a infelicidade do outro para celebrar a sua, felicidade que está na carne que o funcionário do matadouro representa.
Cada um desses personagens colabora a sua maneira, assim como os outros, para a sentença surpreendente do filme: a filosofia trágica de Cláudio Assis é trágica mesmo. Seu eterno retorno do mesmo não é convite à celebração da vida, é afirmação de sina. O homem é mesmo este animal degenerado que vaga sobre a terra e com uma marca de sangue que lhe interdita para a felicidade, justamente o desejo. O homem é mal, é o modelo que serviu de inspiração para o projetista que inventou o capeta. Como dissemos acima, não se pode olhar para o sofredor com piedade, ele tem direito a ser culpado, a fazer o mal tanto quando os observadores cínicos da classe alta.
Por isso mesmo, não é na excitação do desejo que o filme desfila sua moral. É na conversão dele em instância grotesca. Diante do homem e da mulher nus, babando de desejo, o filme não vê humanização possível. Ou melhor, vê que o humano não tem pureza, não tem limpeza possível. Não há linguagem, há apenas grunhido, não há amor, apenas sexo, não há vida, apenas ciclo.
Igualmente, a visualidade do filme, que aparentemente é construída pela cor, mas é na verdade intensificada pelo movimento – a câmera está sempre em busca de seus objetos ou os está perseguindo, como um diabrete matreiro –, manifesta um corte que só faz reforçar a temporalidade circular da história. Circular não apenas pela repetição da fala da garçonete, conexão mais explícita com o eterno retorno, mas, sobretudo, pela demonstração de que todas as mudanças que marcam a história, e são muitas, nada mudam no estatuto desgraçado do homem. 

Alexandre Werneck

domingo, 27 de março de 2011

amar-elo

meu amor é amarelo.
sujo e doente.

tem a cor do pus que escorre
e resseca logo abaixo da ferida.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Aos escrevinhadores de plantão

Estão abertas as inscrições para o Prêmio Off Flip de Literatura 2011. Fica o link da premiação com o regulamento e maiores informações:
http://www.premio-offflip.net/

Alea jacta est!

sábado, 19 de março de 2011

...e por isso cinema me encanta.

Se todo mundo sambasse...


 "Vem que passa
Teu sofrer
Se todo mundo sambasse
Seria tão fácil viver"
Chico Buarque

Dois vira-latas, uma cadelinha fugida de casa, um ursíssimo fugido do zoológico e um coelho abandonado não uma, mas duas vezes. De cortar o coração, né não? Não. Não em “Os Colegas” da escritora Lygia Bojunga.
Os primeiros que iniciaram esse bando sem igual foram os vira-latas Virinha e Latinha. Que, aliás, nem sabiam que eram vira-latas, apenas adotaram esses nomes porque em todo o lugar ouviam a mesma coisa: “Sai daí, seu vira-lata! Olha um vira-lata no jardim!” Depois apareceu Flor-de-lis, uma cachorrinha de raça, fina mesmo, sabe? Fugida da dona que a enfeitava mais que árvore de natal. O Ursíssimo Voz – de – cristal – que tinha esse nome pela sua voz fininha que nem alfinete -  também estava fugido, só que do zoológico. Queria ver as bonitezas do mundo. Por último, mas não menos importante: Cara-de-pau. Um coelho que foi abandonado pela família – duas vezes – e nunca, em hipótese alguma, sorria.
Regidos por muito samba e alegria os amigos inseparáveis, apesar de tantas desventuras e perigos que correm diariamente, nunca deixam a peteca cair. À margem da vida os colegas vão consolidando seu próprio espaço e identidade. E, neste espaço relações como amizade, solidariedade e trabalho vão sendo construídas a partir de valores criados pelo grupo. E a linguagem informal, solta - bacana de verdade - torna a leitura fluída, harmoniosa, com gostinho de samba mesmo.
Impossível não apaixonar-se por essa leitura envolvente e cheia de cadência. Afinal, não é tão feio como dizem esse tal de mundo cão.